terça-feira, 28 de novembro de 2017

Estudo da Representação Humana


By
Fátima Alfredo


     "Sabemos que a história da figura humana se encontra atravessada pelo ato de conhecer o universo pelo próprio homem. Nesse sentido, ao revermos nossa história, nos vemos a identificar e compreender as diferentes configurações culturais, conformadas por percepções sociais, filosóficas, religiosas e científicas. Subjacentes ás manifestações expressivas de cada cultura, projetos imersos na consciência perceptiva que tais sujeitos produziram sobre o mundo, encontram-se as projeções do homem. Assim, ao se projetar, o homem se lança á aventura o seu lugar no mundo." (Derdik, 1990)



*(Figura acima: traços by Alexandre Greghi)

      Durante toda nossa história, o corpo humano nunca deixou de ser uma encruzilhada de acontecimentos culturais e sociais, animais e psíquicos. O corpo é e sempre será um complexo de símbolos que vai além de si mesmo. Assim sendo, " a unidade efetiva das histórias era a figura humana" (BAXANDALL,1972), seguramente existe sobre ela, um incontestável inventário reunido durante milênios, constituindo um valioso patrimônio á História da Arte.

      O estudo de modelos que ainda é exercício obrigatório para a preparação de profissionais ou amadores cujo intento é representar figurativamente o ser humano, passou a ser tão valioso na arte da concepção (Raisionné) no inicio do século XX, quanto à concretização da obra em si. Segundo Baxandall "toda figura desenhada tem o propósito de representar algo", então se tornou comum, colocar à venda, séries de cátalogos Raisionné de artistas famosos.


      No período Renascentista, o estudo das proporções humanas, ainda segundo BAXANDALL, era bastante primário em relação às regras matemáticas já conhecidas pelos comerciantes. 




    Como regra de ouro, por exemplo  O estudo do modelo humano enquanto disciplina fundamental à formação artística permanece com alto valor pedagógico e empreendedor para tais aptidões perceptivas. Exemplo de um quadro de disciplinas atualmente lecionadas nos diversos cursos da EBA/UFRJ: (BAF 205 - Modelo Vivo I - BAF301 - Modelo Vivo II - BAF 103 - Desenho Anatômico I - BAF 107 - Desenho Anatômico II).


     Na Academia Francesa, o estudo do Modelo Vivo dava-se do geral para o particular. O aprendiz tinha como questão, a apreensão de todo o conjunto. Primeiramente fazia-se o esboço com linhas principais a serem trabalhadas. Havia também o que hoje chamamos de 'Pose de Minuto', exércicio fundamental para uma compreensão rápida da figura posada. Esses alunos já traziam incutidos consigo o necessário ' Ideal de Beleza' dantes adquirido com o estudo das gravuras. BOIME cita que " [...] obviamente, antes da aparição e desenvolvimento da gravura, a única opção possível para os estudantes era a cópia dos desenhos de mestres, o que testemunham os tratados mais antigos, como o de Cenino Cennini[...]. " Em seguida, os alunos dedicavam-se à cópia de modelos em gesso. Chamados de modelos tridimensionais. Depois então, passavam a copiar pinturas originais de alguns grandes mestres.


      Na AIBA, o promotor desse legado foi Nicolas-Antoine Taunay, que desde 1834 ao ocupar o cargo de diretor da Academia, promoveu uma reorganização da sua estrutura de ensino. Baseando-se nos moldes da Academia Francesa, implantou aqui, as disciplinas de Modelo Vivo e as aulas de Anatomia.


     Os alunos daqui também eram iniciados estudando cópias de telas ou estampas vindas da Europa, apesar da distância cultural 
existente entre os continentes, repito BAXANDALL:

"[...] as capacidades de que somos mais conscientes não são aquelas que obsorvemos, como todo mundo durante a infância, mas aquelas que aprendemos de modo formal, com esforço consciente: aquelas que nos têm sido ensinadas. [...]"




          Este primeiro momento era chamado de estudos planos. O uso de gravuras tornou-se mais usual devido às dificuldades de se conseguir modelos originais. O M.D.J.VI guarda um grande acervo dessas gravuras, que ora serviram para formar o elenco conhecido no mundo cultural do país. Depois, os aprendizes se davam aos estudos de partes do corpo humano para logo em seguida começarem o desenho de corpos conhecido como 'academias'. O estudo se completava com desenhos de moldes em gesso e até de cópias originais greco-romanos.



       As aulas de Anatomia e Fisiologia das Paixões, que eram aulas teóricas e práticas imprescindíveis para o conhecimento dos ossos e músculos do corpo humano, eram aplicadas logo após os alunos terem feito a disciplina doe Modelo Vivo e consistia em grande peso para a formação acadêmica dos matriculados nessa sessão. Sendo que, das aulas de Modelo Vivo somente poderiam participar alunos, artistas e professores designados pelo 
Corpo Acadêmico, com licença especial do Diretor. 




              Esta disciplina foi criada em 1831 e rea ministrada na Academia Imperial de Belas Artes por médicos e obrigatória aos alunos de Arquitetura, Escultura, Pintura de Paisagem e Pintura Histórica. Cabia ao professor de Pintura ou Escultura escolher variados biótipos humanos para as aulas. Só depois de finalizada tal etapa, ficava o aluno habilitado a cursar as disciplinas seguintes.


"[...] não há maior dificuldade que a figura humana, e o artista que toma a si a responsabilidade de guiar os jovens artistas deverá continuamente observar que não se desviem d'esse fim: a figura humana [...]." (Bernardelli, 1980)

      Em carta enviada ao aluno Vitor Meirelles, ganhador de um prêmiode viagem à França, Manuel de Araújo Pôrto-Alegre suscita que "estude o nu, estude anatomia, estude bem o desenho, e veja se toma Mr. Delaroche por mestre, que é hoje o pintor o mais filosófico e o mais estético que eu conheço.(...) Estude Anatomia e Desenho, porque nossa escola está muito fraca no Desenho."

        Para a antiga academia classicista do inicio do século XIX, o bom desenho era fundamental e valia, além de exposições, prêmios em viagem. O estudo da observação da figura humana continuou com considerável importância no currículo dos cursos supracitados mesmo após as Reformas é até hoje nos cursos que ainda vigoram na atual Escola de Belas Artes.


       O corpo é uma expressão representativa e sua apreensão através das formas desenhadas parece devolver-nos a certeza de que somos um. Mesmo nos fracionados em corpo e alma, em barro e luz, em carne e espírito, em eu e outro, etc.


SOBRE O EPÍTOME:


O "Epítome de anatomia relativa às bellas artes seguido de hum compêndio de physiologia das as paixões e de algumas considerações gerais sobre proporções com as divisões do corpo humano; oferecido aos alunos da Imperial Academia das BellasArtes do Rio de Janeiro" (M.D.J.VI n°. 0039) servia bem como manual completo da época sobre a Anatomia e o Estudo da Fisionomia Humana.





          Escrito por Charles Lebrun, baseava-se nos principais tratados anatômicosaplicados na Academia Francesa desde o século XVII e foi traduzido em Português por Taunay em 1837, trazendo 'Taboas de XI e XII' faz importantes e interessantes estudos sobre o movimento dos músculos nas paixões da alma no compêndio sobre o êxtase. "[...] e o grão máximo de admiração. Quando a este sentimento se une a veneração, e que o seu objetomeramente intelectual não ocupa senão o espírito, a cabeça se deita do lado esquerdo; as sobrancellas e a pupilla se dirigem diretamentepara cima; a boca fica meio aberta, com os seus cantos um pouco elevados. O resto do semblante se conserva no estado natural [...]". (LEBRUN, 1837, p.12)

        Dividi-se em estudos sobre a Osteologia, da Mitologia e da Filosofia das paixões. A primeira parte traz estudo sobre a Osteologia. Acompanha, em seguida, taboas sobre o esqueleto e depois sobre a mitologia. Em seguida, o compêndio trata da Fisiologia das paixões e ainda, considerações gerais sobre o estudo das proporções do corpo humano. Segundo Elaine Dias " a obra é composta das principais teorias artísticas relacionadas à anatomia utilizadas na Académie Royale de Peinture et Sculpture no século XVII, embora haja uma pequena parte relativa ao século XIX advinda do dicionário de Millin, dando especial ênfase à questões das proporções."

        A aplicação por parte dos alunos desses subsídios teóricos e práticos lhes dava consistência na e laboração e moldagem de obras bi ou tridimensionais. Mostrando-se presentes na construção dos resultados plásticos e, capacitando-os, inclusive, no mais elevado gênero de feituras de peças de pleno vulto, formando também exímios avaliadores, professores e artistas.

Aplicação na Escultura



            O estudo do corpo humano é essencial para se formular uma obra escultórica visto que essa se apresenta com diversos ângulos a serem lapidados. Daí, a necessidade dos estudos de Modelo Vivo, Anatomia e Fisiologia das Paixões.

             O escultor tem por obrigatoriedade, conhecer o mecanismo de funcionamento da anatomia humana. Haja visto que desde a Renascença, muitos artistas da época já mostraram interesse pelo estudo do corpo humano.




         A aplicação na Escultura, do conhecimento Anatômico e Fisiológico dá-se mesmo em obras supostamente abstratas. Veja- se que no Construtivismo, mesmo tendo sido a escultura mudada em sua concepção de ser esculpida, inserindo -se nela, materiais diferentes dos tradicionais, indo assim a idéia de Anatomia estará presente.

           Apesar de todo esse pré-conceito sobre escultura escultórica figurativa, não é afastado o livre-arbítrio para a imaginação criadora. Ao contrário, o conhecimento das disciplinas permite aplicabilidades de conotações 'românticas' e até o uso de pulsões mais subjetivas, onde tal aprendizado nas aulas de Fisiologia das Paixões e anatomia mostra-se presentes nessa construção, acarretando aos bons resultados plásticos. A figura ganha mais realidade física, fazendo-se "adequação do movimento das circunstâncias mentais, como o desejo, a cólera, e a dor. Os movimentos e as atitudes devem estar de acordo com os acontecimentos da alma." (VINCI, Leonardo da)

     Para marcar bem a caracterização de uma figura escultórica, prima-se em trabalhar: bem o rosto a ser esculpido.

    [...] É verdade que o rosto fornece indícios sobre natureza dos homens, seus vícios e temperamentos. As linhas que separam as bochechas dos lábios e aquelas que marcam as narinas e circundam os olhos indicam claramente se o homem é alegre e ri com frequência. aqueles cujas faces só possuem algumas dessas marcas se entregam ao exercício do pensar. Aqueles cujas faces estão profundamente marcadas são brutos, irascíveis e irracionais. Aqueles que têm a fronte sulcada por linhas horizontais profundas são repletos de tristeza, seja ela secreta ou declarada.



     Porém, sabe-se que este é um trabalho bastante complexo. Aí devem estar bem explícitos os códigos de expressão facial apreendidos nas aulas de Fisiologia e Anatomia. Tão importante quanto à boca, são os olhos. Neles deverá estar expressos toda subjetividade representada na escultura." (da Vinci) 








        Outro cunho fundamental escultórico são as mãos. Caso uma figura apareça envolta em vestimentas, ficará à mostra as mãos e o rosto. Concentrar-se-á, ai, nessas duas peças, toda a expressividade da figura esculpida.Tão fundamental é para o escultor o aprendizado da representação humana, que sem ela, os escorço característicos que dão às esculturas o movimento necessário e a sensação de tridimensionalidade, não poderiam ser aplicados. Independente do tipo de representação, a escultura tem que representar quaisquer sentimentos com a mesma nobreza de expressão e adequação às formas subentendidas. A estatuária romana deixa bem evidente ao observador, a retratação de um magistrado, um imperador ou deus.


         No século XIX era comum o procedimento do 'vazado'. Tal experimento era obtido através de um molde onde se submergia o corpo a ser esculpido em uma massa bem líquida que ia endurecendo lentamente. A difusão desta prática em alguns ateliês induziu a dúvidas quanto à legitimidade criadora de certos artistas, pois os escultores, que mesmo não usando de tal artifício conseguiam resultados bastante semelhantes, eram confundidos com os usuários 
desta prática fácil.





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- Ah galerah também leia este TEXTO falando sobre a importância do "Modelo - Vivo" no ensino da Arte feito por Carlos Rodriggs.